Franquia Shenmue: Qual o preço de revolucionar o mercado?
O mercado de games atualmente se divide em uma principal concorrência entre Sony e Microsoft, se somando ao PC como uma via paralela e a Nintendo produzindo consoles e portáteis alternativos. Nos anos 90 as coisas eram um tanto diferentes, com Nintendo e Sega protagonizando a disputa de vendas, com algumas produtoras como a Hudson (criadora do Bomberman) com seu PC Engine e alguns outros concorrentes como a já esquecida Atari como plataformas alternativas.
Além dos computadores com DOS, no Japão havia também uma variedade de outros sistemas operacionais, mas diferente de hoje em dia, não possuíam o hardware máximo no que se refere à qualidade de desempenho e gráficos de games.
O papel que hoje os computadores
assumiram nos anos 90 pertencia às máquinas de árcade. Era uma linha
alternativa de games aonde empresas como Namco, Sega, SNK e Capcom fizeram sua
história nos anos 90. O sucesso das máquinas de arcade fazia valer o
investimento em um hardware super poderoso, o que motivava as crianças e
adolescentes a gastar com várias fichas para poder jogar algo que não poderiam
em seus consoles. Entre as 4 empresas que citei, Sega e SNK apostaram no
mercado de consoles caseiro. A SNK seguiu a ideia de criar um console caseiro
com hardware idêntico à suas máquinas de fliperama, o Neo Geo AES (já a placa
de árcade se chama Neo Geo MVS), sendo um console de nicho, devido ao alto
preço do console e dos jogos. A Sega por outro lado, investia em hardwares mais
modestos, equivalentes ao que a Nintendo produzia.
A Sega antes de Shenmue
Ok, mas por que toda essa contextualização
sobre arcades? Para entender as origens e o impacto de Shenmue, temos que
compreender que o mesmo possui relação direta com os fliperamas. O jogo foi
criado por Yu Suzuki que, ao lado de Yuji Naka (criador do Sonic) eram os nomes
mais fortes dentro da Sega. Para se ter ideia, antes do lançamento de Shenmue,
Suzuki teve seu nome creditado em mais de 40 jogos, sendo apenas dois deles
exclusivos de consoles de mesa (Fighters Megamix e Digital Dance Mix Vol.1
Namie Amuro, exclusivos do Sega Saturn), com o restante sendo originário dos
fliperamas. O nome do mesmo era sinônimo de sucesso na casa, sendo o
responsável por Hang-On, Out Run, Space Harrier, After Burner, além de ter sido
o criador da linha Virtua, a qual estreou com Virtua Racing e depois com os 3
primeiros Virtua Fighter’s.
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Kiryu sempre foi um grande fã dos jogos de Suzuki |
Vale destacar, que entre os jogos
2D criados por Suzuki, praticamente todos se focavam em perspectivas de
falso-3D, sempre trabalhando com aspectos de profundidade. Devido a complexidade
dos mesmos, esses que saíram principalmente entre os anos de 1985 e 1987,
versões fiéis para plataformas caseiras só foram lançadas décadas depois, já
que nem Master System, nem Mega Drive suportavam reproduzir os jogos de forma idêntica aos fliperamas. Saturn chegou a ter alguns ports mais similares, mas
ainda com mudanças.
Como se não fosse o bastante, a
linha Virtua definiu como jogos 3D deveriam ser, com Yu Suzuki sendo o
principal responsável pela mudança que a indústria sofreu de gráficos 2D para
3D. Virtua Fighter foi o primeiro jogo de luta 3D da história, trazendo lucros
suficientes, junto a Virtua Racing, para a Sega mudar da placa Sega Model 1
para a Sega Model 2 em apenas um ano. É uma evolução absurda, principalmente ao
comparar a evolução de Virtua Racing (1992) para Daytona USA (1993). O segundo,
criado por Toshihiro Nagoshi (criador de Super Monkey Ball e Yakuza também),
com produção de Suzuki, só foi receber um port fiel em 2011, para PSN e Xbox
Arcade.
Como foi possível notar, no ramo
dos arcades, a segunda metade dos anos 80 e todo os anos 90 da Sega foram de
pura glória. Nos consoles, apesar de um começo fraco com o SG-1000 que se
tornou o Sega Mark III (nosso Master System), as coisas melhoraram com o Mega
Drive/Genesis, com a empresa ficando na frente da Nintendo e seu SNES durante a
primeira metade da disputa. Já na segunda metade, justamente quando Virtua
Fighter estava chegando nos fliperamas, as coisas começaram a ficar caóticas
para a Sega.
No Japão, desde a era 8-bits, o
uso de periféricos em consoles sempre foi algo comum. O Famicom (NES no
ocidente), teve o Famicom Disk System, um periférico para jogos em disquete. A
Sega então decidiu que iria trazer esse tipo de periférico para o resto do
mundo, a começar pelo Sega CD/Mega CD, que em toda sua fracassada vida, teve como
poucos jogos lembrados Sonic CD e a única versão ocidental de Snatcher, de Hideo Kojima.
Após o periférico de CD, veio o periférico 32X que tinha como proposta realizar
um upgrade de hardware no Mega Drive, permitindo rodar jogos mais potentes, o
que incluiu ports com pesados downgrades de Virtua Racing e Virtua Fighter. Enquanto isso, a rival com o SNES não
trouxe nenhum de seus periféricos caros para o ocidente, justamente pelo
hardware de seu console possuir algumas vantagens para rodar gráficos
pré-renderizados, a tecnologia do Mode 7 (usado desde o F-Zero para simular
efeitos 3D, com uso notável em Super Mario Kart e Final Fantasy VI) e pela
existência do famoso chip Super FX, que permitiu o lançamento de Star Fox.
Os dois periféricos fracassados
da Sega, somados ao combo de tudo isso, o Sega CDX, além do também fracassado
Sega Nomad (literalmente o Mega Drive portátil), começou a deixar as coisas
complicadas para a Sega. Para piorar, indo contra a tudo que o setor de arcades
vinha produzindo, o foco do hardware do Saturn era para jogos em 2D, o que com
poucos anos de mercado fez o console ser um fracasso completo, obrigando a Sega
correr contra o tempo e iniciar o mais rápido a geração seguinte com aquele que
viria a ser seu último console, o Dreamcast.
Virtua Fighter RPG: Akira’s Story
Aqui começamos a finalmente falar
sobre Shenmue, mas quando o mesmo possuía outra identidade. Virtua Fighter foi
o ponto alto da Sega durante o fim da fase 2D de Sonic e o que sustentou a Sega
durante seu período caótico. De 1993 a 1996, foram 3 jogos principais (cada um
em uma das 3 placas “Sega Model”), além da produção de uma série de spin-offs.
Yu Suzuki então viu que seria interessante, pela primeira vez criar algo para
consoles caseiros, um RPG.
Tudo começou com um protótipo
desenvolvido por ele e seu time, o AM2, chamado “The Old Man and the Peach Tree”,
feito para Saturn, ambientando na China do passado focado em interações entre
personagens. Achando interessante o resultado, Suzuki decidiu expandir o escopo
desse projeto e criar uma enorme saga de origem para Akira, protagonista de
Virtua Fighter, originando o projeto Virtua Fighter RPG: Akira’s Story, o qual
seria lançado para o Sega Saturn. Com a Sega disponibilizando a verba que fosse
necessária, Suzuki planejava desenvolver algo graficamente tão complexo quanto
jogos de arcade mas com muita exploração e interação, que fosse o mais próximo
da realidade, mas claro, mantendo o mesmo sistema de batalha que tornou Virtua
Fighter altamente respeitado.
Hoje em dia é possível encontrar algumas cenas do jogo quando ainda seria para o Saturn, com boa parte sendo transposta ao jogo final, com toda a história de vingança de Akira sendo a mesma, como podem ver abaixo:
Com cenas extremamente complexas,
claramente rodando a um framerate baixo, o jogo era muito acima de qualquer
coisa produzida para o Saturn que, como já disse, não era bom em rodar jogos
3D, principalmente algo tão grande como Shenmue.
A ideia de Suzuki era ainda mais
audaciosa, envolvendo uma longa história de 11 capítulos, que com toda a certeza
precisaria ser dividida em vários jogos, esses em vários discos.
Com a morte iminente do Saturn,
boa parte do que já estava adiantado precisou ser jogada fora e ser refeita com
gráficos mais refinados (esses sim já similares e até mesmo melhores ao que Virtua
Fighter 3 apresentava) para o novo console, o Dreamcast. Com a mudança de
console, também veio a mudança de protagonista. Toda a ideia de um prequel de
Virtua Fighter é abandonada e agora Akira se torna Ryo Hazuki, com a história
sendo a mesma: um rapaz japonês, artista marcial, que ao chegar em casa vê seu
pai sendo morto por um mafioso chinês, motivando o mesmo a ir à China se
vingar, com praticamente todos os personagens sendo mantidos.
Para mais informações sobre essa fase como prequel de Virtua Fighter, recomendo essa palestra de Yu Suzuki na GDC14, de onde tirei as imagens acima. O vídeo segue abaixo:
Shenmue (ou Shenmue Chapter 1: Yokosuka)
Após um projeto abandonado e uma
troca de consoles, Shenmue finalmente foi lançado em 29 de dezembro de 1999 e
no final de 2000 no ocidente, pouco mais de um ano após o lançamento do
Dreamcast. Nesse ponto o grande jogo do console era ainda o jogo de lançamento,
Sonic Adventure, com o console não vendendo muito bem apesar do hardware muito
superior a qualquer concorrente, muito devido à falta de apoio das third
parties (principalmente após muita turbulência envolvendo os dois projetos de
Dreamcast que foram desenvolvidos). Com isso, Shenmue era a aposta da Sega para
virar o jogo. Não deu certo.
O jogo começa com Ryo Hazuki, um jovem voltando para casa numa tarde de neve, no seu aniversário de 18 anos, no dia 29 de novembro de 1986. Ao chegar em casa, vê coisas destruídas e os moradores de sua casa caídos no chão. Ao entrar no Dojo da família, encontra seu pai Iwao apanhando para um homem de rabo de cavalo e trajes caros, o qual questiona sobre a localização de um espelho. Após ameaçar matar Ryo, Iwao entrega a localização do espelho. Após isso, o mesmo é morto pelo homem misterioso, o qual diz se vingar por Sunming Zhao, homem que Iwao teria matado.
Até então, o que tínhamos de
grandes narrativas cinematográficas em games não era muita coisa. O ápice até
então havia saído no ano anterior com Metal Gear Solid, o qual revolucionou a indústria
com uma narrativa e jogo de câmera muito similar à de filmes, mesmo com sérias
limitações gráficas (como a falta de rostos). Também haviam as típicas novels
japonesas, os point-and-clicks e o sucesso das CGs principalmente no PS1, em
destaque em RPGs como Final Fantasy. Com o poder do hardware do Dreamcast,
Shenmue foi o primeiro a fazer o que MGS havia iniciado mas com gráficos mais
críveis, com a vantagem de poder utilizar expressões faciais, com destaque à
movimentação dos olhos. O que podem ver acima talvez hoje em dia não seja
grande coisa, mas o capricho no olhar dos personagens, movimentação e
principalmente o uso de blur é algo que não se via rodando em tempo real em
nenhum outro jogo até então.
Ao morrer, Iwao pede para que Ryo
se mantenha próximo de seus amigos. Como um garoto obediente, Ryo ignora
completamente tudo que ouviu, se distancia de todos os amigos e sai em busca de
informações sobre o homem misterioso para poder mata-lo.
Após pesadelos com o assassino,
começamos a jogar, com o personagem e acordando e cara podemos notar algumas
várias possibilidades, como abrir armários, coletar itens, retirar quadros,
rezar, conversar com a governanta, pegar a mesada no balcão e até mesmo retirar
um Sega Saturn do armário (time paradox!). Sinceramente eu tenho alguns
problemas com a casa do Ryo devido aos corredores curtos, é bem fácil ter dor
de cabeça andando por lá. Também se destaca ao relógio no canto da tela.
Sistema de dia e noite estavam começando a surgir, com destaque para The Legend
of Zelda: Ocarina of Time, mas relógio ainda não era algo de destaque. Aqui,
temos horário de acordar e horário de voltar para casa (nada de curtir a
madrugada por aí) e, não só isso, cada estabelecimento tem seu horário de abrir
e fechar, além de partes específicas que você só pode realizar em horários
específicos.
Ao sair da casa vamos para a
cidade, aonde se destaca que Ryo pode interagir com TODAS as casas, podendo
bater na porta pedindo informação em todas, apesar de só atenderem se for para
mover a história. Além disso, todos os NPCs são interativos, sendo dublados (não
há nenhum momento no jogo em que falas são apenas linhas de texto, sempre há
dublagem). Temos telefones, aonde podemos ligar para os números presentes no
caderno de Ryo (um dos principais elementos da franquia, aonde anota as
conversas que foram relevantes e o que precisa fazer), além de uma série de
interações do cotidiano que, em primeiro momento, não agregam muito, mas
possuem um capricho de detalhes sensacional, como comprar latinhas de
refrigerante (que não agregam nada, já que você sempre começa as batalhas com
HP cheio) e comprar gatchas, aqueles bonequinhos de inserir moeda na máquina e
pegar aleatoriamente que no Brasil são mais comuns em supermercados mas no
Japão se encontra normalmente na rua.
No segundo bairro que entramos,
esse aonde interagimos inicialmente com as duas máquinas, também encontramos a
primeira loja, aonde temos vários doces para comprar que... Também não agregam
nada, mas ao comprar temos direito de pegar um voucher, o qual pode ser trocado
por um brinde dependendo do resultado (falarei deles mais pra frente). Ao
adentrar o bairro seguinte, que é o maior do jogo (o que não quer dizer muito
depois de um tempo), temos mais algumas lojas, podendo fazer compras apenas no
mercado Tomato (com a mesma mecânica dos brindes). Temos também uma loja com
telefone pago também e, um dos destaques mais famosos da franquia, um
fliperama.
No fliperama, entre os
brinquedos, temos algumas máquinas de QTE (tecnologia que vou citar mais à frente),
dardos e, claro, os principais destaques, uma máquina de Hang On e outra de
Space Harrier, dois dos primeiros sucessos de Yu Suzuki pela Sega. Esse é um
tipo de interação que pra mim sempre me atraiu em Shenmue e até hoje a única
franquia que herda isso é Yakuza, aonde temos além dos jogos que já haviam em
Shenmue I e II, coisas como Virtua Fighter 2, Virtua Fighter 5: The Final
Showdown e até mesmo Fighting Vipers. GTA, que é uma franquia com orçamentos
grandes, só deu um foco maior nisso em San Andreas, com apenas um minigame no IV
e alguns no modo online do V, sendo todos jogos originais. Vale destacar que
entre os brindes das lojas, temos CDs de Hang On e Space Harrier para Saturn,
com Ryo podendo jogar eles em seu console (sem precisar gastar com fichas).
Como citei ainda na parte do
Virtua Fighter RPG, a proposta era de ter combates iguais ao de VF e, sim, isso
foi mantido, com o corte da seta para cima como pulo, que agora é esquiva, fora
isso o moveset de Ryo é praticamente o mesmo de Akira. A questão é que, apesar
de usar um sistema de luta já aclamado, temos uma série de problemas aí.
Problema 1: VOCÊ MAL LUTA EM SHENMUE 1! É, se você for pegar o jogo esperando
algo agitado, cheio de batalhas estilo Yakuza, caiu do cavalo, amigo. Shenmue,
em sua versão original do Dreamcast, vem com 4 discos, sendo 3 do jogo, além de
outro de bônus. No primeiro, você possui apenas uma luta ou duas, se não
estiver enganado, sendo elas bem curtas. Com o andar do jogo elas começaram a
aparecer mais, mas você só vai ter um número até que relevante de batalhas no
terceiro disco. No lugar das lutas, muitas vezes o jogo escolhe por te jogar em
situações de Quick Time Events, ou QTE. Hoje isso algo padrão na maioria dos
jogos e já foi tão usado que há que abomina o sistema atualmente. A questão é
que quem começou tudo isso foi Shenmue, colocando vários momentos de QTE
envolvendo lutas e perseguições, fazendo um uso muito bom do sistema.
Introduzindo essas mecânicas,
temos um resumo de como somos apresentados ao jogo. Com isso, as primeiras
horas, talvez tediosas, se resumem a Ryo precisando perguntar pistas sobre o
paradeiro de Lan Di (nome do assassino, que ele descobre logo nos primeiros
minutos) com os NPCs da cidade. Vale destacar que o jogo não tem mini-mapa, o
que para os dias de hoje pode dificultar um tanto, mesmo com o mapa sendo
pequeno, mas com muitos estabelecimentos. Uma dica é notar os mapas que ficam
em placas e cartazes pela rua, já que a maior parte do jogo é literalmente
procurar e conversar com NPCs.
Pela descrição do jogo, se nota
que há muitos elementos que o jogo introduziu ao mercado de videogames ou fez
grandes mudanças, ou então pegou elementos de outros gêneros. Mas afinal, qual
o gênero de Shenmue? Apesar do nome original Virtua Fighter RPG, Yu Suzuki
define o jogo como sendo do gênero FREE (full reactive eyes entertainment), um
jogo que o foco é justamente simular interações e situações reais do cotidiano,
com obrigações, horários e utilização de objetos. Há muito de RPG nele, mas ao
mesmo tempo até fãs de RPGs se sentem pouco familiarizados com como o jogo
funciona. Eu diria que se for colocar ele próximo de algum outro gênero, seria
das novels e dos point-and-clicks, já que basicamente utiliza das mesmas
ideias, mas com um mapa 3D.
Sobre a narrativa, ela é bem
contada, ponto. A história em si não é nada acima do normal, justamente por se
manter pé no chão na maioria dos aspectos, tentando equilibrar o tema de
vingança com algo mais casual. Temos alguns personagens principais que não tem
tanto carisma, enquanto alguns NPCs são muito marcantes, mesmo que pelos
motivos errados. Para mim, o destaque fica para a relação de Ryo com Guizhang
Chen e Mark, o primeiro introduzido no segundo disco e o outro no terceiro
disco, com os mesmos sendo apresentados no porto, outro cenário o qual Ryo
passa bastante tempo com o avançar da história.
Entre outras interações
interessantes do jogo, vale citar o toca fitas de Ryo, o qual serve para ouvir
fitas cassete que você pode comprar nos mercados ou ganhar de brinde. Também
temos, além do sistema de relógio e dia e noite, a mudança de tempo dinâmica,
com momentos de céu nublado, outros de chuva e até mesmo de neve. Sistemas como
esse acabaram ficando mais populares à partir de GTA III mas o mesmo já o possuía
(no caso de neve, GTA até hoje nunca utilizou o sistema de forma dinâmica, o
utilizando apenas em quests específicas ou eventos no modo online).
Como os dias passam com
calendário também, e o jogo se passa no fim de 1986, ao chegar próximo ao
natal, podemos ver enfeites de natal e um papai noel andando pela cidade.
Notável também acompanhar as lojas abrindo e fechando, de forma bem detalhada.
Cada NPC possui uma rotina própria, então também podemos ver os donos dos
estabelecimentos entrando algumas horas antes de abrir e, caso você bata na
porta, pode ser que os mesmos atendam para responder perguntar ou pedir para
passar mais tarde.
Sobre os problemas do jogo, vale
citar justamente algumas das revoluções, como o caso do relógio. Algo que cansa
muito no jogo é você ter que esperar horário X para ir até um local,
principalmente em caso de locais que só abrem a noite. Como não há mini-mapa,
enquanto você não conhece bem a cidade, você vai perder muito tempo para achar
os estabelecimentos e, por sua vez, chegar mais perto da hora de voltar pra
casa. Ou seja, você pode estar avançando alguma parte da história que tem que
visitar bares noturnos mas, devido ao tempo para acha-los, quando você estiver
prestes a ir para algum outro, precisa ir pra casa e continuar no dia seguinte
mas... O BAR SÓ ABRE A NOITE. Ou seja, você tem que fazer qualquer outra coisa
enquanto espera anoitecer. Nessas horas, o que sobra é o árcade, mas uma hora
também cansa. GTA 3 sofria de problemas parecidos justamente por imitar essas
mecânicas de Shenmue, mas lá ao menos você tinha a opção de sair surtando pela
rua. Por sinal, GTA depois acabou retirando esse elemento aos poucos por
justamente cansar o jogador de forma desnecessária.
Outro ponto também relacionado é
falta de sidequests, ou a forma como elas são distribuídas. As sides são bem
poucas e muitas vezes bobas, como achar o endereço de pessoa X para uma senhora
com visão falha. Algumas agregam alguma coisa, como comprar um café para um
mendigo que mais adiante te ensinará alguns golpes.
Como último ponto, cito minha
coisa favorita do jogo: A EMPILHADEIRA. Oh, a empilhadeira, o que dizer dela?
Em um momento da história, Ryo decide trabalhar e consegue um emprego de operador
de empilhadeira no porto. À partir daí o jogo de joga em uma rotina de acordar
cedo, sair de casa pra pegar o ônibus, ir ao trabalho, fazer uma corrida de
empilhadeiras e depois seguir um fluxo de carregar caixas de um galpão à outro.
Com direito à duas horas de almoço para explorar o mapa atrás de pistas ou
ficar jogando dardos ou comprando bugigangas no refeitório, é um dos momentos
mais deliciosos do jogo, dando uma sensação de vida real. De bônus, ainda
aparece alguns bandidos querendo treta pra você lutar também, só lucro.
Como falei, no Dreamcast também há um quarto disco bônus, chamado Shenmue Passport, que envolve baixar alguns itens para o VMU do Dreamcast para ver umas animações de 3 frames. Recomendo esse vídeo abaixo que explica um pouco melhor:
Ah, quase ia esquecendo, a
dublagem. Bem, o jogo possui dublagem em inglês e japonês dependendo da região.
Ambas são de medianas pra ruins, principalmente a em inglês que é muito ruim,
apesar de ter um carinho de boa parte da fanbase. A qualidade do áudio também
apresenta algumas falhas de compressão, o que prejudica um tanto. A japonesa
também sofre dos problemas de áudio, mas ao menos a dublagem dos personagens
principais é boa até, mas sendo bem ridícula quando os personagens são
americanos (apenas imagine japoneses fingindo serem americanos com sotaque
forçado tentando falar japonês de forma misturada com termos em inglês...
tenso).
Algumas cutscenes principais do jogo foram compiladas e lançadas como um filme de cerca de 1 hora e meia, lançados em alguns cinemas japoneses e como brinde de Shenmue II de Xbox em 2001. Pessoalmente, achei bem ruim, mas segue abaixo caso alguém queira assistir:
Uma trivia bacana sobre o game é
que no Japão as máquinas de refrigerante são oficialmente da Coca-Cola,
oferecendo Coca, Fanta Uva, Fanta Laranja e Sprite. Nas versões ocidentais,
como não possuíam a licença de uso da marca, foram trocadas por marcas
genéricas. Nos períodos de Dreamcast, uso de marcas famosas ocidentais era bem
comum, com uso de Reebok e AT&T nas DLCs de Sonic Adventure, além de Pizza
Hut, Fila, KFC e outros em Crazy Taxi.
Shenmue II
Menos de 2 anos depois do
primeiro, em 6 de setembro de 2001, a sequência é finalmente lançada no Japão,
saindo poucos meses depois na Europa, exclusivo do Dreamcast. Apesar do curto
espaço de tempo, não foi rápido o suficiente já que nesse momento o console
estava morto. Com um acúmulo de erros desde os periféricos do Mega Drive,
somado até mesmo ao gasto dos dois jogos dessa franquia, as coisas chegaram a
um ponto que a Sega não conseguia arcar mais com as contas, encerrando a vida
do console naquele ano e abandonando o ramo de produção de hardwares
domésticos. As coisas seguiram pra um caminho tão complicado que a empresa só
se salvou em 2004 com a fusão com a Sammy, do ramo de pachinko.
A questão sobre os gastos de
Suzuki com Shenmue sempre foi complicada. Os valores sempre variam, e
provavelmente incluem o gasto jogado fora nos anos do Saturn. Além disso, tanto
no protótipo do Saturn quanto nas conferências de apresentação do jogo no
Dreamcast, haviam cenas de ambos os jogos, indicando que os gastos que sempre
se referem ao jogo na verdade é um conjunto de talvez 4 jogos ou mais, sendo os
de Saturn cancelados. O que se tem como quase certo é que foi o custo mais alto
de produção de jogos até 2008, quando foram lançados Metal Gear Solid 4 e
GTAIV, que conseguiram ultrapassar os valores controversos. No caso dos dois,
foram grandes sucessos, diferente dos dois Shenmue que não conseguiram se
pagar.
Ao final do primeiro jogo, Ryo
descobre que Lan Di foi para Hong Kong e decide seguir o mesmo, levando consigo
um segundo espelho, que também estava na posse de seu pai. No segundo,
começamos com Ryo chegando de navio a Hong Kong, buscando o mestre Lishao Tao,
que poderia guia-lo a Yuanda Zhu, conhecido de seu pai. Pouco a pouco, Ryo vai
conhecendo novas pessoas, entre eles vários ladrões e uma moça bonita chamada
Joy, que tenta ajuda-lo ao máximo.
Com poucos minutos é fácil notar
a evolução gigantesca do primeiro para o segundo jogo. Primeiro detalhe que se
destaca é que, como agora Ryo está em um local que não conhece, ele precisa
comprar mapas em cada bairro, os quais liberam o mini-mapa no canto da tela.
Apesar disso, os mapas servem mais para ter uma noção geográfica do personagem,
não identificando estabelecimentos nem objetivos.
Nesses primeiros momentos também
se nota que os QTE estão, não só mais complexos, como permitem você errar. No
primeiro, caso você erre o QTE, a cena recomeça e você só avança quando
acertar. Aqui temos uma mudança muito interessante aonde, caso você erre,
errou. Ou seja, se você estiver em uma perseguição e errar o botão, vai ter que
se virar para encontrar quem estava perseguindo. Se errar uma defesa, pode
acabar sendo espancado e só acordando dias depois. Há também os casos de erros
permitidos, aonde numa sequência de batalha você pode errar alguns botões mas
conseguir avançar, só precisando recomeçar ou perdendo a cena se errar uma
grande quantidade de vezes.
Voltando ao mapa, aos poucos
vamos notando o quão maior o mapa é. Sério, o primeiro jogo soa como uma tech
demo, um prequel apenas, o que de certo modo realmente é, como explicarei mais
à frente. Para os padrões de 2001 (antes de GTA3), considerando a complexidade
e o nível de interações, o mapa é realmente grande, mesmo havendo os loadings
entre bairros (na versão original, bem demorados). Proporcionalmente, o tanto
de NPCs na tela é bem maior (o que na versão de Dreamcast causa algumas quedas
pesadas de framerate). Vale notar, que diferente do primeiro aonde havia apenas
uma cidade de 3 bairros e o porto, aqui temos duas cidades com vários bairros e
um terceiro mapa mais linear mas bastante extenso.
Algo a se destacar também é que
finalmente temos bastante batalhas. O pouco de lutas que temos no primeiro é
compensado nessa sequência. Claro, não é como se tivéssemos lutas randômicas pela
rua, mas os momentos de batalha ou até mesmo treino são muito maiores, não se
nota desequilíbrio nesse aspecto. O sistema ainda é o mesmo, havendo mais
golpes a serem liberados. O jogo também corrige algo bem sem sentido do
primeiro, que era só Ryo ter barra de HP e não os inimigos (ou seja, você tinha
que bater nos inimigos sem saber quanto tempo faltava para derrota-los). Aqui o
jogo faz o básico e coloca barra de vida para todos os inimigos, com eles
possuindo o mesmo sistema de recuperação de energia conforme combos, assim como
Ryo. A barra de vida também é usada em momentos de alcançar o ponto exato de
energia para realizar golpes como bater em árvores ou quebrar pedras com a mão.
Outro aspecto interessante agora é o uso de dinheiro. No primeiro Ryo possuía moradia própria e ganhava sua mesada para gastar com qualquer bobagem. Agora as coisas mudaram e o mesmo precisa pagar diária de hotel. Para isso, o mesmo precisa conseguir dinheiro das variadas formas que o jogo permite. Temos o mais básico que é trabalhar. Infelizmente não temos a boa e velha empilhadeira, mas temos um emprego de carregar caixas usando QTE, além de outro emprego cuidando de barraca de apostas no Lucky Hit, um jogo que se baseia em lançar um bolinha em um painel de madeira com pregos, torcendo para que caia no buraco certo, ao cuidar da barraca, você leva metade do que faturar nas apostas. Outro modo, habilitado mais pela metade do jogo, é com lutas de rua, que variam entre simplesmente derrotar o adversário, não apanhar, acertar um soco, entre outras variedades. Por último temos as casas de penhores, que compram os gatchas que você ganha nas máquinas, trazendo uma utilidade em gastar com eles.
Inclusive, os gatchas estão envolvidos
em outro ponto bastante positivo do jogo que é permitir dar sequência entre o 1
e o 2 utilizando o mesmo save no VMU. Ou seja, itens variantes como dinheiro,
gatchas, uma foto específica e os golpes aprendidos por Ryo são todos
transferidos para o segundo jogo, caso você possua o save. Novamente uma
tecnologia muito boa, que anos depois viria a ser bem utilizada em Mass Effect
e hoje se popularizou de um modo que até FIFA a utiliza no modo Journey. Ou
seja, os gatchas que você comprou atoa no primeiro jogo, agora podem te render
uma boa grana na loja certa de penhores.
O árcade voltou, agora maior, em
um prédio dividido com um jackpot (também passando o save das fichas que você possuía
no primeiro). Como única adição temos Out Run, também do Suzuki. A casa de
jackpot também havia no primeiro apesar de não comentar. Shenmue não trabalha
com sistema de ganhar dinheiro com apostas, apenas fichas, essas que ao serem
acumuladas em altos valores, dá pra trocar em alguns itens, não sendo o melhor
lugar pra ganhar dinheiro. Aliás, o arcade fica menos atrativo considerando que
você precisa administrar melhor seu dinheiro agora. Algo interessante que temos
agora em bares é poder disputar dardos valendo dinheiro, sendo possível ganhar
uma boa grana (recomendo salvar antes de fazer aposta alta, há rivais que a IA
é extremamente apelativa, como nesse meu print abaixo). O arcade citado só
consta no primeiro mapa, com o segundo escondendo máquinas perdidas em
apartamentos nos vários prédios que possui, como em um orfanato, além de uma
máquina de After Burner II encontrada na segunda metade do jogo. Vale destaque também para aposta em dado e disputa de queda de braço valendo dinheiro.
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Se vocês soubessem o que aconteceu, ficariam enojados |
De resto o jogo se mantém praticamente
o mesmo nas tecnologias, mantendo uma estrutura ainda baseada em conversar com
NPCs por aí em busca de informações, com a vantagem da narrativa sem bem mais
direta e com menos enrolação. Além disso, passa tempos como trabalhar e
disputar dardos dão uma vida muito maior ao jogo. Outro elemento que há no
primeiro que não citei mas que aqui volta com maior variedade são os videntes,
que te dão dicas de como prosseguir na história.
Como se não bastasse a variedade
de cenários, tarefas, melhoria de mecânicas e mais lutas para tornar o jogo
melhor, temos uma evolução muito boa na história, com um roteiro bem mais
competente e envolvente, com bastante personagens carismáticos e momentos mais
cinematográficos. Até mesmo a busca por informações soa bem mais interessante,
somado ao dilema de vingança sendo tratado de forma muito mais caprichada nesse
jogo.
Em conjunto com a melhora na história, vem uma melhora na qualidade da dublagem. Na versão de Dreamcast, há só dublagem japonesa, essa que melhorou bastante do primeiro para o segundo jogo, com áudio melhorado e mais emoção nas falas. Apesar de tanto na Europa quanto no Japão a dublagem ser japonesa, há uma mudança na dublagem na personagem Yuan, a qual é trans e na dublagem original é dublada por um homem. Na Europa, a Sega redublou todas as falas, em japonês mesmo, com uma dubladora mulher, além de retirar referências à sexualidade da personagem. Entre outros cortes, há uma censura envolvendo NPC árabe e o corte de uma piada sexual em uma fita cassete, além de uma referência à Jesus, conforme vídeo abaixo:
Apesar da morte precoce do Dreamcast, o jogo saiu também no ocidente, um ano depois, mas exclusivo do Xbox, sendo distribuído pela própria Microsoft Game Studios. Com algumas melhorias de polígonos, framerate estável e melhor carregamento de loadings, as principais diferenças envolvem o excesso de blur, principalmente nas batalhas, um modo câmera para tirar fotos, filtros dinâmicos e a dublagem em inglês. A dublagem americana continuou fraca, assim como o primeiro, os filtros não são tão interessantes e o blur é no mínimo estranho. Essa versão faz parte da lista de retrocompatibilidade do Xbox 360, mas ao rodar no mesmo, vários elementos gráficos como sombra não funcionam corretamente. A versão de Xbox também vem com um DVD dublado em inglês do Shenmue The Movie, além do mangá/gibi Shenmue Side Story, que conta breves histórias entre Shenmue I e II, resumindo de forma rápida o que seria o capítulo 2 da saga, que nunca foi portada como jogo.
É, acho que pode ter ficado um
pouco confuso agora. Como talvez tenham notado, na parte do primeiro Shenmue
coloquei entre parênteses “Shenmue Chapter 1: Yokosuka”, que é nome japonês do
jogo. Lembram que o Virtua Fighter RPG teria 11 capítulos? Então, esse número
já foi mudado várias vezes entre 11 e 16, mas o que importa é que na prática
não significam tudo isso de jogos. Shenmue II, no Dreamcast, possui 4 discos,
todos de jogo, equivalentes a mais 3 capítulos. Ou seja, até então o resumo da
saga fica em:
- Capítulo 1 – Shenmue I
- Capítulo 2 – Shenmue Side Story
- Capítulo 3 – Shenmue II (discos 1 e 2)
- Capítulo 4 – Shenmue II (disco 3)
- Capítulo 5 – Shenmue II (disco 4)
Por isso, como eu havia dito, a sensação de Shenmue I ser apenas um prequel acaba se tornando bem maior, já que o escopo que ele abrange é bem pequeno em relação ao todo. Sobre o Side Story, segue abaixo link com a HQ em inglês. É bem curta, mas agrega bem ao lore da franquia (está em leitura ocidental).
O que posso dizer é que, enquanto
o primeiro Shenmue é um bom material histórico, repleto de tecnologias
revolucionárias e que moldaram muito do que a indústria dos games é hoje em
dia, o segundo mantém tudo isso dentro de um jogo que é uma verdadeira obra
prima, bem completa, divertida, com uma ótima história, bastante diversificado
em ambientação e gameplay, além de visualmente esplendido, com o último disco
sendo uma experiência audiovisual incrível, com paisagens belas, um primor de
design.
Para mais informações de ambos os jogos, recomendo os vídeos do Digital Foundry, bem completos sobre os dois games.
Limbo de mais de uma década
Após gastar uma fortuna em dois
jogos que não venderam muito, somado a queda da Sega, as coisas não ficaram
muito boas para Suzuki. O final de Shenmue II deixa uma grande ponta solta, mas
as chances de um Shenmue III já não pareciam tão grandes. Ainda em 2001, Suzuki
teve uma de suas produções, já pronta, cancelada. O jogo era Propeller Arena e
a capa era essa:
Lembrando, o jogo sairia em
2001... É, as coisas não estavam indo muito bem para Suzuki. Apesar desse
problema com Propeller Arena e o fracasso de Shenmue II, Suzuki nesse ano
também dirigiu seu quarto e último Virtua Fighter. VF4 é pra mim de longe o
melhor jogo da franquia, passei horas jogando no PS2, enquanto nos arcades foi
um dos pioneiros a implementar uma rede online nas casas de fliperama, algo que
hoje é comum no Japão. Para muitos Virtua Fighter 4 é o melhor jogo de luta 3D
da história e eu não arriscaria discordar, sendo admirável que em um mesmo ano
Suzuki entregou duas obras primas de gêneros diferentes para plataformas
diferentes.
Nos anos seguintes, Suzuki
produziu Out Run 2 e Virtua Cop 3, além de ter dirigido o jogo Psy-Phi,
cancelado em 2005. Enquanto as coisas não andavam mais tão bem para Suzuki, eis
que a Sega decide lançar... Virtua Fighter RPG?!
É. Em 2004 Sega lança para PS2 e
GameCube o jogo Virtua Quest, conhecido no Japão como Virtua Fighter Cyber
Generation: Judgment Six no Yabou. Em uma ideia inspirada em Kingdom Hearts e
Digimon de forma pouco discreta, jogamos com o protagonista Sei, um
pré-adolescente shonen genérico que brinca numa plataforma de realidade virtual
e acaba se envolvendo numa trama levemente inspirada no lore de Virtua Fighter
e tem como tutores virtuais os personagens do jogo, tudo em uma mecânica de
action RPG. Bem, eu já joguei as primeiras horas do jogo e não gostei, assim
como as notas nas reviews foram bastante baixas na época.
Nesse meio tempo, umas das poucas
referências a Ryo foi em... ESPN NFL Football. É, colocaram o Ryo jogável num
jogo de futebol americano.
Após 2 anos desde que Shenmue II
havia saído para Xbox, em 2004, finalmente saíram notícias de um novo Shenmue,
mas não era bem o que se esperava. Em uma parceria da Sega com a coreana JC
Entertainment, foi anunciado o MMORPG Shenmue Online. O jogo tinha como
proposta pegar as principais mecânicas de Shenmue II e colocar em um mundo
online, interagindo com personagens do jogo. O jogo chegou a passar por uma
beta fechada em 2005 e recebeu algumas screenshots pela mídia, recebendo uma trailer
mais caprichado na China Joy de 2006, conforme abaixo:
Para quem vaga a mais tempo pela
internet deve se lembrar das CGs desse trailer em baixa resolução rodando pelo
Youtube como Shenmue III, inclusive acho que esses vídeos fake até hoje estão
no ar. No fim das contas, em 2007 o jogo acabou cancelado, principalmente pelo
fato da JC ter abandonado o projeto.
Após o jogo de corrida de
fliperama SEGA Race TV, Suzuki lançou seu último trabalho pela Sega antes de
sair da empresa, sendo justamente o primeiro produto com nome Shenmue lançado
desde o começo daquela década. Em 2010, é lançado Shenmue City para a rede
social Mobage. O que dizer do jogo? Era um jogo de rede social e celulares de
2010, ou seja, um grande nada praticamente, que ficou disponível no ar por
menos de 1 ano. Abaixo uma screenshot espetacular do jogo:
Como dito, esse foi o último
projeto de Suzuki pela Sega. Após isso o mesmo se focou em seu estúdio próprio
Ys Net, produzindo jogos terceirizados à Sega, no caso dois jogos mobile de
Virtua Fighter de qualidade duvidosa. Ryo pode ser visto nos crossovers de
corrida da Sega e em Project X Zone 2 após isso.
A essa altura do campeonato,
Shenmue III já era praticamente algo impossível, com a mídia já considerando a
franquia Yakuza, produzida por Toshihiro Nagoshi, que trabalhou com Suzuki em
Virtua Racing, Daytona USA e até mesmo no primeiro Shenmue, como sucessora
espiritual de Shenmue. As coisas estavam lá, vários elementos RPG, bastante
luta, interações como comprar em mercados e jogar em arcades... Mas as coisas
mudaram em 2015.
O Kickstarter e finalmente a remasterização
Na E3 de 2015, a Sony resolveu
chutar o pau da barraca e, no meio de alguns anúncios de grande potencial como
Horizon e Dreams, anunciou 3 jogos que haviam se tornado lendas urbanas. O esquecido
The Last Guardian, que havia sido anunciado na primeira metade da vida do PS3,
o tão pedido remake de Final Fantasy VII e, quem diria, Shenmue III. O anúncio
e as reações podem ser vistas abaixo:
A questão é que após o hype
inicial do anúncio, vieram uma série de questões e a principal era: o
financiamento do jogo seria através do Kickstarter. Ou seja, apesar de um
investimento por parte da Sony para a exclusividade nos consoles, o jogo seria
basicamente uma produção indie de Suzuki e teria que ser financiada por fãs. A
qualidade do que era mostrado não era tão competente, mas havia a esperança de
um produto mais complexo conforme o investimento. A questão é que quando há
esse tipo de financiamento, se trabalha com metas a serem atingidas, em troca
de receber o jogo em primeira mão e alguns brindes. Sinceramente não cheguei a
acompanhar de perto como foi o passo a passo do financiamento, mas há quem diga
que algumas metas não foram entregues no produto final, um problema que é um
tanto comum nesse tipo de projeto, principalmente quando há uma cobrança de
tempo também.
Conforme os trailer iam saindo a
recepção não era das melhores. O modelo dos personagens estava longe do
potencial do PS4, além de em muitos aspectos parecer um jogo datado, digno da
geração anterior.
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Apesar de não ser ultra realista, é inegável que houve uma grande evolução |
Para completar, próximo ao fim da produção, foi anunciado que no PC, o jogo seria exclusivo da Epic Games Store, o que motivou uma série de colabores a pedir o reembolso do que investiu, em uma insistência por receber o jogo na Steam. Mesmo com a produção oferecendo pacotes em mídia física, muitos se negaram. Acabou que o jogo se envolveu em uma briga de fanboy que eu sinceramente acho completamente besta.
A questão é que o jogo foi para o
Kickstarter por basicamente a Sega ter cedido os direitos à Suzuki fazer o que
bem entender no terceiro jogo, sem distribuição da empresa, apenas sendo
creditada como dona da marca e dos personagens, com a distribuição por fim
ficando a cargo da Deep Silver.
Apesar da Sega querer se envolver
o mínimo possível com o terceiro jogo, ela viu como um bom momento para relançar
os dois primeiros jogos e ganhar com o hype do terceiro jogo. A tarefa ficou a
cargo da empresa D3T, responsável pela remasterização recente de Mafia II.
O que poucos sabem é que o atual
remaster que possuímos era para ter sido um remake. É, o jogo seria todo
refeito com gráficos e tecnologia atual, ainda que mantendo uma estrutura de
mapas e possivelmente de gameplay similar ao original, nos moldes das edições
de aniversário de Halo e Gears of War. Abaixo segue um vídeo com imagens
vazadas desse remake:
No fim, acabou que o remake não
foi para frente e o estúdio acabou mudando o escopo do projeto para uma simples
remasterização. Lançado no segundo semestre de 2018, Shenmue I & II saiu
para PS4, Xbox One e PC, sendo o primeiro port do primeiro jogo até hoje, com
complemento do segundo. Mantendo a tecnologia de sequência de saves, é um
remaster aceitável, mas que parece muitas vezes um simples port de emulador,
apresentando muitos bugs no primeiro jogo, principalmente ao deixar em formato
widescreen. O segundo jogo apresenta menos bugs graves, mas ainda ocorre de
itens temporários do hub ficarem fixos na tela sem sair mais. Possivelmente a
mudança repentina do escopo do projeto tenha afetado a qualidade do produto
final.
Shenmue III
Após mais de 18 anos de espera,
finalmente é lançado em 19 de novembro de 2019, o terceiro jogo da franquia. Após
mais de 4 anos de uma produção polêmica, o jogo foi lançado para PS4 e PC (Epic
Games). A grande verdade é que os materiais de divulgação eram pouco atrativos
e, no meio de lançamentos de jogos AAA, as notas da crítica foram bem medianas,
com um consenso geral de que a franquia havia parado no tempo. Será que é um
caso tão grave assim?
Primeiro de tudo, acho importante
destacar que Shenmue III é... Uma sequência de Shenmue II e, principalmente, um
jogo da franquia Shenmue. Isso pode parecer meio óbvio, mas acho importante
frisar isso, para não haver comparativos desnecessários sobre o jogo não seguir
estruturas genéricas de outros jogos populares dos anos 2010. Shenmue não é
GTA, não é Mass Effect, não é Assassin’s Creed, não é Yakuza. Pode ter tido
grande influência para a criação desses e de vários, mas Shenmue é uma franquia
única por si só daquele gênero que falei, o tal do FREE.
A história de Shenmue III se
inicia literalmente no ponto em que o segundo parou, com direito a um breve
remake da cena final do jogo anterior. Após os acontecimentos da caverna, Ryo e
a moça que conheceu, Ling Shenhua, chegam finalmente à Vila Bailu, procurando
pelo pai da moça, Yuan. Após 18 anos podemos ver como a vila é, sendo bem
interessante é a fidelidade com o que Shenhua narrava durante o quarto disco do
segundo jogo.
Com o tempo, descobrem que Yuan
foi raptado junto a outro artesão pelos capangas do Chīyóumén, cartel do qual
Lan Di é um dos líderes. Com isso em mente, seguimos à velha jornada de
conversar com NPCs e descobrir pistas sobre o paradeiro dos bandidos, além de
mais informações sobre o passado do pai de Ryo, já que o mesmo nota que está
visitando os mesmos locais pelos quais seu pai passou.
Além da evolução gráfica e
mudança de engine, o que é mais óbvio, temos algumas diferenças em relação aos
jogos originais. De início, outra evolução natural é não ter mais os
carregamentos ao trocar de bairros, sendo tudo interligado em um único mapa,
algo esperado em 2019. Uma mudança interessante é que agora a barra de vida
permanece disponível na tela durante a navegação. O motivo é que agora Ryo
perde energia durante o dia, perdendo a mesma conforme corre, treina, luta e
afins. Por isso, agora finalmente os alimentos possuem a utilidade óbvia de
recuperar PV (nome dado a energia de Ryo).
Outra mudança, um tanto polêmica
ao meu ver, é a mudança do sistema de luta. Ao invés de uma perspectiva mais
lateral, com combate inspirado em Virtua Fighter, temos um sistema com câmera
traseira, com moveset completamente diferente, agora com dois botões de chute,
dois de soco, um gatilho para defender e outro para soltar um combo de forma
automática, o qual você escolhe com R1 e L1. Não há mais a esquiva rápida
apertando para ir para o lado (agora o d-pad serve para usar uma bebida que
recupera energia durante a luta) e também não há botão para agarrão. O jogo
possui uma variedade grande de golpes e combos, podendo comprar mais em lojas
de artes marciais ou trocando em lojas de penhores, mas ainda acho menos
complexo que o sistema clássico, sofrendo ainda de problema similares ao
envolver luta contra vários inimigos, talvez até pior.
Ao invés do jackpot, agora há uma
série de tipo de apostas, como como corrida de tartaruga, além dos originais do
Shenmue II jogo do dado e lucky hit. Também há jogo de acertar pedra em baldes
para ganhar presentes. Temos também novos empregos e métodos para ganhar
dinheiro, como cortar madeira (ao som de soundtrack de After Burner), a boa e
velha empilhadeira e pesca. É sempre bom acumular dinheiro, pois na segunda
metade do jogo Ryo precisa pagar diárias de hotel novamente, além de em dois
momentos da trama você precisar comprar itens de valor absurdo.
O funcionamento dos NPCs continua
o mesmo, com eles possuindo suas próprias rotinas, indo pescar, indo treinar,
comendo, trabalhando, etc. Há vários que você pode interagir para treinar luta,
além de outros oferecendo side quest para coletar itens específicos. Falando em
coleta de itens, há também como coletar ervas para trocar por dinheiro em lojas
de remédio ou lojas de penhores (claramente influenciado por um momento perto
do final de Shenmue II). No primeiro mapa dá para interagir com todo mundo, já
no segundo há alguns NPCs que não conseguia interagir, principalmente crianças,
soando como se não tivessem tido tempo para finalizar nesse aspecto. Não é algo
que cause impacto, mas é algo menos caprichado que nos originais. Apesar disso,
ainda temos dublagem completa para todos os NPCs interativos.
O foco nas casas de penhores é
novamente destaque, já que agora podemos gastar em qualquer loja, mesmo os
itens parecendo inúteis mas, ao completar sets, podemos trocar por golpes ou um
bom valor em dinheiro. Os videntes também voltam. Uma adição bacana é
customizar o Ryo, podendo trocar sua jaqueta, andar só de camiseta, usar um
uniforme de artista marcial, trocar calça e sapatos (tipo de customização que
adoro).
Um dos cortes devido à falta de
envolvimento da Sega são as máquinas de árcade de jogos clássicos e gatchas de
Sonic, VF e afins. Apesar disso, trilhas sonoras da Sega ainda podem ser
ouvidas, assim como pôster dos jogos e um Sega Saturn escondido em um templo.
No lugar dos clássicos, além do retorno dos minigames de QTE, temos aqueles
típicos jogos de martelar toupeira, um jogo de corrida em uma roda manual,
basquete, mini golfe, um jogo similar à pinball e máquinas de arcade de um
passarinho usando roupa de personagens de Virtua Fighter. Esse passarinho por
sinal está escondido em todas as lojas da segunda cidade, com você recebendo um
cartão que em conjunto pode trocar na loja de penhores.
Falando em cartões, há o retorno
do telefone, agora podendo ligar para personagens dos jogos anteriores que você
não encontra nesse. É algo bem interessante para expandir o lore dos
personagens, assim como acho sempre bom cumprir os diálogos à noite entre Ryo e
Shenhua para conhecer ambos os personagens.
Sobre os combates, algo bastante
importante no jogo é treinar. Treinos de luta fazer upar seus golpes especiais,
aumentando seu poder de ataque. Treinos usando mokujins ao ar livre fazem
aumentar seu poder de defesa. Ambos fazem aumentar seu poder de kung fu. É bom
sempre que possível ir treinando pois certos inimigos são bastante fortes.
O jogo também faz várias e várias
referências aos colaboradores do Kickstarter, com seus rostos em tábuas de lucky
hit, gatchas com seus rostos, um templo todo em homenagem à Suzuki e os
colaboradores, além de NPCs e inimigos com rostos de alguns dos apoiadores.
Ponto máximo ao caderno de hotel com anotações de alguns que apoiaram,
incluindo easter egg brasileiro apenas afirmando uma verdade mundial.
A narrativa do jogo acaba sendo
um pouco mais similar à do primeiro, sendo um pouco mais superficial e menos
empolgante. É uma história bem básica mas que segue os planos iniciais de
Suzuki, incluindo uma vilã presente em artworks de décadas atrás. Como devem
saber, a franquia não termina aqui, com muitos considerando o final
decepcionante. Eu diria que o final é um tanto lógico, mas entendo as críticas.
Não se sabe quantos capítulos o jogo compila, mas é certo que ao menos os
capítulos 6 e 7 estão presentes aqui, havendo a chance do capítulo 8 ser a parte
final do jogo. No caso de 8, um possível Shenmue IV ser o jogo final é uma
possibilidade, já que Suzuki até hoje afirma que sua proposta é terminar a
franquia com quatro ou cinco jogos.
Sobre a parte gráfica, realmente
há uma inconsistência no que se refere à personagens, os principais apesar de
simples são bem feitos até, considerando que o jogo todo adota um visual mais
cartoon nesse aspecto. Apesar disso, há alguns NPCs e até mesmo inimigos bem
mal polidos. Agora saindo dos modelos e indo para os cenários, apesar de não
serem nada complexos, achei o visual do game muito lindo. Nessa parte do texto,
as screenshots foram todas eu quem tirei, admirando bastante novamente o design
dos ambientes que, mesmo não sendo graficamente complexos, são muito belos.
Sobre a dublagem, tentaram manter
os principais dubladores ou encontrar vozes similares. Ou seja, enquanto a
japonesa continua boa, a americana é de qualidade bem fraca, ainda mais para os
dias de hoje. Novamente, é um ponto que muitos críticos reclamaram, mas por
outro lado foi um pedido de boa parte da fanbase de manter essa dublagem de
qualidade questionável. Bem, eu joguei em japonês e pra mim estava ótimo. Ah,
vale destacar que jogo possui legendas em português brasileiro.
O jogo também possui algumas DLCs
pouco atrativas, com uma trazendo de volta um personagem do II, não possuindo
nenhuma grande relevância as mesmas.
Em plano geral, Shenmue III é um
jogo bom, sendo uma boa sequência e digna da franquia que faz parte. Entendo em
partes as críticas pesadas ao jogo, mas discordo também ao levar em conta que,
enquanto os dois primeiros foram as produções mais caras dos videogames até a
era do PS3, cobrar uma nova revolução ou algo digno dos AAAs de hoje em dia em
um projeto praticamente indie é cobrar demais. Considerando um trabalho com
enfoque nos fãs, financiando por fãs e com uma produção bem longe dos
orçamentos cinematográficos atuais, o jogo faz bonito, tentando compensar suas
limitações técnicas no talento artístico.
E o que vem por aí?
Bem, o futuro de Shenmue está bem
aberto agora. O terceiro jogo não vendeu bem, mas isso contando apenas quem não
financiou o projeto. Ou seja, é um jogo que de forma segura se pagou pela
estratégia que foi utilizada. Suzuki se mantém firme em fazer um Shenmue IV,
restando esperar quando tomará esse próximo passo e, o mais complicado, se terá
o mesmo apoio da fanbase novamente ou se o resultado final do terceiro jogo não
foi o que esperavam. Há sempre a possibilidade de uma grande empresa querer
financiar o projeto, como poderia ocorrer com a relação com a Epic Games mas,
considerando o enfoque do criador de se manter mais focado nos fãs do que em
como a indústria é nos dias de hoje, não acho que isso possa ocorrer.
Por fim, hoje temos o responsável
por vários jogos que revolucionaram a indústria tanto em software como em
hardware fornecendo um trabalho contido, focado principalmente em agradar os
fãs. Mas seria esse um problema? Após dois jogos à frente do seu tempo, que
deram resultados muito baixos, é realmente um problema querer jogar seguro,
fazendo um feijão com arroz simples para agradar quem sempre apoiou esse
projeto ou quem, como eu, resolveu se adentrar na franquia por conta própria e
acabou gostando? Eu considero que ele esteja com sua razão, mas cabe a
interpretação de cada um.
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